Capítulo 1 - Amigas para sempre
Capítulo 2 - De volta pra realidade
Capítulo 3 - Perturbando a paz
Capítulo 4 - Eu tenho que te contar uma coisa
Capítulo 5 - O que acontece na festa...
Capítulo 6 - ...fica na festa?
Capítulo 7 - Um final infeliz
Capítulo 8 - Laços... de Família?
Capítulo 9 - Verdades nunca ditas
Capítulo 10
– Esta é a História da Sua Vida
Tão rápido
quanto tudo aconteceu, eu saí. Não totalmente. Tipo, eu saí da cozinha e fui
pra sala – o que, no total, deve dar mais ou menos uns dois passos quando se
anda depressa.
Atrás de
mim, vieram a Marina e a mamãe. Eu sentei no sofá e encarei a parede, sentindo
tanta coisa ao mesmo tempo, que eu estava com medo de explodir. Eu estava
furiosa, e magoada, e incrédula, tudo ao mesmo tempo. Minha mãe sentou do meu
lado, e quando a Marina fez menção de chegar muito perto eu levantei os olhos
pra ela e disse:
- Nem pense
nisso.
Ela se
conteve, e pareceu realmente triste. Então ficou encostada na parede, olhando
pra mim. Aquela cara de cobra traiçoeira que ela tinha escondia qualquer
verdade que pudesse ter nos sentimentos dela. Tudo parecia forçado, puro
fingimento.
Ninguém
falou nada por um tempo indeterminado. Minha mãe pôs a mão no meu joelho, e eu
a ouvi soluçar, mas não consegui olhar pra ela. Eu estava com raiva e nojo dela
por ter mentido pra mim sobre aquilo – se é que era verdade. Porque não podia
ser. Simplesmente não tinha como aquilo ser verdade.
Olhei de
novo pra Marina, tentando procurar alguma coisa de mim nela. Era bem verdade
que, desde a primeira vez que eu tinha visto ela, achava que havia alguma coisa
de familiar naquele rosto. Mas, droga, familiar no sentido figurado! Não era
pra ser real. Eu não queria que fosse real. Eu não precisava de uma irmã, e
muito menos dela!
- Alguém vai
me contar que história é essa? – perguntei, respirando fundo. Eu apertava uma
mão contra a outra, sentindo um impulso enorme de socar ou quebrar alguma
coisa. Ou socar e quebrar alguém.
Ninguém
respondeu nada de imediato. Minha mãe tremia do meu lado, e a Marina olhava de
mim para ela com os lábios comprimidos, como quem segura o choro.
- Lolita,
eu... – ela começou a falar, então parou e fechou os olhos por um momento antes
de continuar – Nós somos irmãs. Meio-irmãs, na verdade. Eu sou filha do seu
pai.
- Mas você
tem tipo, a minha idade. – afirmei, balançando a cabeça – Como você...
Quando me
dei conta, me senti ainda mais enojada. Com vontade de vomitar.
- Aquele
cretino filho de uma puta! – exclamei, levando as mãos à boca – Como ele teve
coragem...?
- O seu pai
e eu éramos casados há alguns anos quando você nasceu. – minha mãe contou, a
voz embargada – Eu era muito nova quando casei com ele, não enxergava as coisas
direito. Ele teve um monte de mulheres enquanto foi casado comigo, mas eu nunca
me dei conta de nada.
Olhei da
mamãe para a Marina. Ela estava de cabeça baixa, um pouco corada.
- A minha
mãe não sabia que o papai era casado no começo. – ela disse – Aí ela ficou
grávida de mim, e ele contou a verdade pra ela. Arranjou um lugar pra nós e
ficava se dividindo entre as duas famílias.
- Eu era tão
idiota que acreditava quando ele dizia que tinha que viajar a trabalho. – mamãe
fungou e soltou um risinho debochado de si mesma – Passei uma boa parte da sua
gravidez sozinha. Achei que fosse melhorar quando você nasceu, mas a coisa
piorou.
- Ele tinha
duas famílias e você nunca suspeitou? – perguntei, chocada com a canalhice do
meu pai e a burrice da minha mãe.
- Eu
suspeitava, é claro. Corria atrás dele, seguia, brigava. Cheguei a encontrar
com ela uma vez.
- Minha mãe
me contou essa história. – a Marina deu um sorrisinho, o que me deixou com
ainda mais raiva – Ela disse que você encontrou com ela perto do lugar onde nós
morávamos, e que foi uma briga e tanto. Tiveram que separar.
- Eu sempre
fui meio barraqueira. – mamãe brincou, dando de ombros – De qualquer modo, esse
dia em especial foi a gota d’água. Botei seu pai pra fora de casa e pedi o
divórcio.
- Eu me
lembro desse dia. – murmurei.
E eu
lembrava. Como se tivesse sido ontem.
Eu tinha
apenas seis anos na época, mas certas imagens eram simplesmente perfeitamente
nítidas na minha mente. Eu me lembrava de chorar enquanto eles gritavam, e de
nenhum dos dois se importar comigo. Eu me lembrava da minha mãe estapeando a
cara do meu pai, e de segui-los até o quarto enquanto ela atirava todas as
roupas dele no chão. Eu havia me agarrado às roupas do meu pai, até que minha
mãe me pegou no colo e se trancou comigo no meu quarto, esperando ele ir
embora.
Sem
explicações, sem desculpas. Apenas eu e minha mãe chorando no quarto enquanto
ele ia embora pra nunca mais voltar. Meu pai nunca havia se despedido de mim.
Depois daquele dia, eu só havia voltado a vê-lo um ano depois. Ele não era
exatamente o melhor pai do mundo.
- E aí ele
veio morar com a gente pra valer. – a Marina remendou, interrompendo meus
pensamentos – A minha mãe não soube que você existia até pouco tempo atrás. –
ela olhou pra mim – No dia dos pais do ano passado, ele resolveu contar. Eu
implorei pra que ele me levasse pra te conhecer.
- E ele me
deixou esperando por horas. – a mera lembrança me deu vontade de chorar. As
quatro cadeiras na Pizza Hut no dia dos pais. A espera infinita, sem que ele
aparecesse ou atendesse o celular. Como eu poderia esquecer?
- Ele
desistiu na última hora. – ela justificou, mordendo o lábio – Então eu fiz
minha mãe me matricular no seu colégio, pra poder te conhecer e ficar sua
amiga. Eu sempre quis ter uma irmã.
- Eu não.
Me virei pra
minha mãe, já sentindo uma onda de lágrimas vindo à tona.
- Desde
quando você sabia dessa história? – perguntei. Ela desviou o meu olhar.
- Há uns
meses atrás ela apareceu aqui em casa quando você não estava e me veio com essa
de que era sua irmã. – respondeu – O seu pai confirmou a história toda quando
eu perguntei.
- E por que
você não me contou? – eu gritei, me levantando. Agora eu queria mesmo quebrar alguma coisa.
- Eu pedi
pra ela não contar. – a Marina se apressou a dizer – Eu queria contar
pessoalmente.
- Eu não
sabia como, filha. – mamãe disse, logo em seguida. Eu bati com
força na parede, machucando a mão. Reprimi um gemido de dor.
- Não se
esconde esse tipo de coisa! – gritei outra vez – Mas que merda! Como é que eu
sou a última a saber disso?
- Lolita...
- Cala a
boca vocês duas! – bufei. Elas me olhavam com caras assustadas – Eu não quero
mais ouvir a voz de nenhuma das duas.
Fui pro meu
quarto e tranquei a porta. Desabei na cama num turbilhão de lágrimas, ira e
súbito cansaço.
Meu celular
me acordou na manhã seguinte. Era o Edson. Mas eu estava tão triste e tão
cansada e com tanta raiva que não queria ouvir a voz dele. Não queria brigar
com ele e piorar o que já estava uma merda. Eu só queria ficar sozinha.
Tomei um
banho e comi alguma coisa. Minha mãe não estava em casa, o que era um alívio.
Eu simplesmente não queria conversar com ela. Ou olhar pra ela. Não conseguia
engolir o fato de que ela tinha me escondido uma coisa daquelas.
Eu tinha uma
irmã, droga. Como se não fosse ruim o bastante, era a Marina. Eu devia estar sendo condenada por alguma coisa muito ruim
de vidas passadas. Ou por alguma coisa muito ruim que eu ainda iria fazer. Não
tinha outra explicação. Ou isso, ou Deus me odiava.
Quando o fim
de semana chegou, eu já estava um pouquinho melhor. Meu celular marcava
dezenove ligações perdidas e sete mensagens não lidas. Comecei pelas mensagens.
Três delas eram do Edson, me perguntando por que eu não atendia, se eu estava
brava com ele, e qual era o meu problema afinal. Duas eram da Lana. A Marina
tinha contado pra ela, ela estava chocada, e, por favor, me ligue. Uma era da
Giovanna, me dizendo que precisava urgentemente falar comigo, eu não ia
acreditar no que tinha acontecido. E a última era do Diego.
Quando li a
mensagem que não tinha absolutamente nada de anormal – Que dia começam as aulas? E por que você não atende o telefone?
Aparece! – percebi que era exatamente com ele que eu precisava falar. O
Diego não era exatamente expert em dar conselhos, ainda mais num caso tão
embolado quanto aquele, mas ele sabia ouvir. Ele escutava, e às vezes via
coisas que a maior parte das outras pessoas não conseguia ver.
Passei pra
lista de ligações não atendidas, e vi que, entre as dezenove, dez eram do
Edson, três eram da Lana, quatro eram da Giovanna e duas do Diego. Suspirei e
digitei o celular do Diego. Bastaram dois toques pra ele atender.
- Até que
enfim você apareceu, hein? – ele atendeu. A voz parecia estranha, um pouco
mais... forte do que o normal. Como se ele tivesse amadurecido dez anos só na
voz.
- Eu estou
um pouco... – as lágrimas vieram, e não deu pra segurar – Aconteceu uma coisa.
- Você ta
chorando? – ele perguntou. Eu funguei e balancei a cabeça, me esquecendo de que
ele não podia me ver.
- Diego... –
eu não sabia por onde começar. Solucei – Eu não sei o que fazer.
- O que
aconteceu?
- Eu
descobri que... – funguei – A Marina é minha irmã.
- Que
Marina? – ele fez uma pausa, e então acho que caiu a ficha – A Marina? A da
nossa sala?
- É.
- Sério
isso?
- Ela é
filha do meu pai com outra mulher. A minha mãe sabia e não me disse nada. Eu
descobri por acidente.
Contei a ele
tudo o que havia acontecido alguns dias atrás. Ele ouviu sem me dizer nada.
Depois de desabafar, parei de chorar e me sentei na cama.
- Eu to...
sem ação. – falei, baixinho. Escutei ele bufar do outro lado da linha.
- Eu nem sei
o que falar, Lolita. Deve ser difícil descobrir uma coisa dessas desse jeito.
Não
respondi. Por um minuto, ninguém disse nada.
- Você não
acha errado estar culpando a sua mãe? – ele me perguntou, por fim. Me
surpreendi com a pergunta.
- Eu não
estou culpando a minha mãe. – respondi – Não é isso. Não é culpa de ninguém
além do meu pai, é só que...
- Então
conversa com ela. – o Diego me disse – Sua mãe não te contou porque achou que
não devia. É uma droga, mas já foi.
- É. Você
tem razão. – dei uma risadinha – Desde quando você sabe dar conselhos?
- Eu não
sei. Acabei de inventar esse.
Eu dei
risada pela primeira vez em
dias. Então me levantei e limpei o rosto molhado.
- Obrigada,
Diego.
- Qualquer
coisa me liga. Te vejo na escola segunda-feira.
Desliguei o
telefone e troquei de roupa. Minha mãe estava na sala. Ela se levantou assim
que me viu, e veio me dar um abraço, que eu aceitei de bom grado.
- Me
desculpa não ter te contado, filha. – sussurrou no meu ouvido. Eu respirei
fundo e dei de ombros.
- Tudo bem.
Mesmo. – falei.
Nos sentamos
no sofá, e mamãe segurou minha mão.
- Como
foi... quando você soube? – eu perguntei. Ela pensou um pouco antes de
responder.
- Quando a
Marina apareceu e disse que era sua irmã, eu achei que ela estivesse brincando.
– contou – Na hora eu liguei pro seu pai. Ele esbravejou no telefone e
confirmou tudo. Foi horrível. Me senti mais traída do que já tinha me sentido
na época.
Baixei o
olhar e tentei imaginar aquela sensação. Minha mãe não merecia passar por isso.
Meu pai era mesmo um canalha.
- Eu sempre
soube que o seu pai tinha outra mulher. – continuou – Depois que a gente se
separou, eu sabia que ele teria outra família, mas nunca quis saber nada além
disso. Não era da minha conta. Mas a coisa toda é realmente...
- Surreal. –
completei, num murmúrio. Mamãe assentiu.
- Se eu já
detestava o seu pai antes, imagine como eu me sinto agora.
Concordei
com a cabeça, sabendo muito bem do que ela estava falando. Era exatamente como
eu me sentia. Meu pai era pior do que eu já sabia. Não conseguia vê-lo de
nenhuma forma boa agora.
- Mãe... –
parei e reformulei a pergunta – Você se arrepende de ter casado com o papai?
Ela me
olhou, como se estranhasse a pergunta. Então torceu o nariz e suspirou.
- O seu pai
me machucou muito, filha. Eu era muito nova e bobinha quando nos casamos. Não
tinha maturidade nem responsabilidade pra um casamento, nem o amor próprio
necessário pra me dar conta de que eu merecia alguém melhor.
Fez uma
pausa e beijou minha mão.
- Mas eu não
me arrependo. – concluiu – Não vou falar que faria tudo de novo, mas não me
arrependo, porque eu tive você.
- Você
poderia ter me tido em outro casamento, com um cara que valesse a pena. –
apontei – Teria me dado um pai melhor.
- Mas ai não
seria você, certo? Seria outra criança. E talvez a minha vida tivesse sido melhor
desse jeito, Lolita, mas eu não abriria mão de ter uma filha como você por
nenhum outro tipo de felicidade.
- Mesmo eu
te dando trabalho, e voltando bêbada das festas e te dando tanta dor de cabeça
com a escola? – brinquei. Ela riu.
- Ta bom,
você poderia ser um pouquinho melhor. Mas mesmo assim, você vai ser sempre a
minha Carlotinha, a minha menina.
Ela me
abraçou, e eu ignorei o fato de que ela havia usado o nome que eu tanto odiava
– ainda mais no diminutivo. Deixei que o amor da minha mãe curasse as minhas
feridas.
O Edson veio
me ver no dia seguinte. Eu já estava começando me preparar psicologicamente
para o retorno às aulas, e ao fato de que todos os dias eu teria que olhar pra
cara da Marina sabendo da verdade. Pela primeira vez naquele mês, desejei que
as férias fossem pra sempre.
- Eu nem sei
o que dizer, Lolita. Mesmo. – o Edson me disse, quando terminei de contar a ele
a história toda – Por que você não me ligou? Eu teria vindo correndo.
- Eu não
estava muito afim de falar com ninguém. – murmurei, dando de ombros. Ele
pareceu que ia falar alguma coisa, mas então mudou de idéia e ficou quieto – O
que foi? – perguntei.
O Edson fez
uma careta.
- Olha, não
fica brava, ta? – pediu, e eu assenti – Mas eu já estava sabendo disso. A Lana
me contou.
- Que ótimo.
Até meu namorado sabe da minha vida antes de mim. – levantei do sofá e joguei a
almofada no chão com tudo. Eu estava puta.
- A Marina
contou pra ela, e ela me contou, e me fez jurar que não ia te falar nada.
Desculpa, Lolita, é sério.
- Não, sabe
o que é sério? Sério é você perceber que todo mundo sabe de tudo e ninguém tem
coragem de te dizer a verdade, merda! Como você se sentiria se eu tivesse feito
isso com você?
- E como
você teria ficado se eu tivesse te contado? Você estaria puta do mesmo jeito!
- O que me
deixa puta não é você não ter me contado! É que todo mundo sabia e parece que todo mundo fez questão de passar essa
informação adiante com a mesma recomendação: não conte pra Lolita. – eu já estava gritando e prestes a chorar a
essa altura – É a minha vida, merda! Por que eu tenho que ser a última a saber?
- Não foi
culpa minha, ta legal? – o Edson também começou a gritar. De algum modo, aquilo
tinha virado uma discussão de casal – Eu fiquei preocupado quando a Lana me
disse que tinha uma coisa muito séria acontecendo e que ela não sabia o que
fazer. E ai, do nada, ela me contou tudo isso. Eu não pedi pra saber.
- Eu não to
jogando a culpa em você, Edson, pelo amor de Deus! Não tem nada a ver com você!
Tem a ver com o fato de que a minha vida virou uma... novela das oito. Todo
mundo sabe da verdade, menos a personagem.
- Essa foi a
comparação mais escrota que você já fez.
Parei e
olhei pra ele, arfando de tanto gritar. Ele estava rindo. Mas eu não tinha
visto graça nenhuma.
- Você não
faz idéia de como é. – falei, séria. Ele parou de rir – Se fosse com você, ai
sim você ia entender do que eu to falando.
Fui pra
cozinha e peguei um copo de água. Ele veio atrás de mim e colocou a mão no meu
ombro.
- Ta certo,
foi mal ter rido de você. – ele disse – Eu não sei mesmo como é. Só que você
não pode fazer nada mais sobre isso.
- Eu sei. –
murmurei, e bebi um gole de água.
- Tenta ver
o lado bom disso tudo. Você sempre foi filha única, e agora tem uma irmã. Não é
legal?
Pensei nisso
por um instante. Durante toda a minha vida, eu tinha sentido falta de ter um
irmão ou uma irmã. Tirando as gêmeas Bela e Suellen, todos os irmãos que eu
conhecia tinham uma ligação super legal, uma amizade bonita – o Edson e a Lana,
por exemplo, sempre se deram super bem. Ser filha única às vezes era muito
chato.
Mas agora
que eu tinha uma irmã, o que eu mais queria era não ter uma. Pra quê? Eu não
era mais criança, não precisava de companhia pra brincar. Eu tinha meus amigos,
muito bons amigos, e uma mãe só pra mim. Ninguém pra me encher o saco quando eu
queria ficar sozinha, ninguém pra dividir espaço. Eu estava muito bem assim.
- Não, não
é. – respondi, veementemente. – Eu nunca vou me acostumar com isso. E ela nunca
vai ser minha irmã.
Ele me
olhou, mas não disse nada. Fim de discussão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário